O Juiz que Nunca Existiu: Magistrado de São Paulo Viveu 40 Anos com Identidade Falsa

Por Silvana de Oliveira

Juiz Renomado de São Paulo Torna-se Suspeito de Usar Identidade Falsa por Mais de 40 Anos

O Judiciário brasileiro foi surpreendido por um caso inusitado e alarmante. Um juiz amplamente respeitado na cidade de São Paulo, conhecido por sua conduta firme e seu vasto conhecimento jurídico, tornou-se o centro de uma investigação do Ministério Público após ser identificado como usuário de uma identidade falsa por mais de quatro décadas. O escândalo coloca em xeque a confiabilidade de processos seletivos e o rigor das instituições no controle de documentos e veracidade de informações.

O homem em questão, que durante anos atendeu pelo nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, afirmava ser descendente da nobreza britânica e neto de um famoso magistrado da Inglaterra. Ele ingressou na tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde se formou com honras. A impressionante trajetória culminou na aprovação em concurso público em 1994, que lhe garantiu o posto de juiz estadual em São Paulo, cargo que exerceu por décadas com reconhecimento.

No entanto, segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público, toda essa construção teria como base uma mentira cuidadosamente arquitetada. A investigação aponta que, em 1980, o então jovem José Eduardo Franco dos Reis, natural da cidade de Águas da Prata, interior paulista, teria apresentado uma série de documentos falsificados para emitir um Registro Geral (RG) com o nome de “Edward”. Com esse documento, conseguiu transitar entre instituições públicas e privadas, construindo uma nova identidade.

A farsa só foi descoberta recentemente, quando José Eduardo, já aposentado da magistratura, foi ao Poupatempo da Sé, em São Paulo, para renovar seu RG. Durante o processo de atualização cadastral, inconsistências foram encontradas no banco de dados do sistema estadual, levantando suspeitas que culminaram em uma apuração mais detalhada. A análise revelou divergências com registros antigos de nascimento e documentos escolares de José Eduardo Franco dos Reis, seu nome verdadeiro.

O caso levanta questões gravíssimas sobre segurança institucional, controle de documentos públicos e os critérios de verificação de identidade em concursos públicos. Como foi possível que, durante tantos anos, nenhuma instância identificasse o uso de uma identidade forjada? Mais ainda, como um juiz, guardião da legalidade e da ética, pôde manter uma vida inteira baseada em um ato criminoso?

A defesa do magistrado, até o momento, não se pronunciou oficialmente, mas fontes próximas ao caso indicam que ele estaria colaborando com as autoridades. O Ministério Público, por sua vez, estuda abrir processos por falsidade ideológica, uso de documentos falsos, fraude em concurso público e possíveis desdobramentos na esfera cível e criminal.

Além das implicações legais, o caso deverá repercutir fortemente na imagem do Judiciário e na credibilidade dos concursos públicos no Brasil, especialmente no momento em que a sociedade clama por mais transparência, integridade e responsabilidade de seus agentes públicos.

O desfecho deste episódio poderá abrir precedentes e motivar a revisão de práticas burocráticas antiquadas, além de exigir maior rigor na comprovação de identidade nos processos seletivos de cargos públicos. A história de “Edward”, o juiz que por décadas viveu como outro homem, ainda está sendo escrita — agora, com olhos atentos da sociedade e das instituições.