Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A decisão recente do STJ, relatada pelo ministro Raul Araújo, reforça um princípio essencial do Direito Arbitral brasileiro: a prevalência da cláusula compromissória sobre a jurisdição estatal, inclusive em cenários de recuperação judicial. Isso significa que, se as partes convencionaram resolver litígios por arbitragem, essa escolha deve ser respeitada — mesmo quando uma das empresas está em recuperação judicial.

Ponto-chave da decisão
O cerne da controvérsia foi um conflito de competência envolvendo:
- A 1ª Vara Cível de Carpina (PE), que inicialmente tratou o contrato como sendo de DIP Financing (crédito em recuperação judicial).
- A 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem de SP, que passou a ser reconhecida como competente, após esclarecimentos de que o contrato era de industrialização por encomenda, com cláusula compromissória.
O STJ corrigiu o entendimento inicial, reconhecendo que o contrato em questão previa arbitragem como meio de resolução de conflitos, conforme o princípio da kompetenz-kompetenz, que confere ao tribunal arbitral a autoridade para decidir sobre sua própria competência.
Importância jurídica
Essa decisão reforça três fundamentos relevantes:
- Autonomia da vontade das partes: o pacto arbitral é respeitado mesmo diante de situações excepcionais, como a recuperação judicial.
- Força vinculante da cláusula compromissória: o simples fato de estar no contrato já é suficiente para afastar a jurisdição estatal, desde que válida.
- Kompetenz-kompetenz: os próprios árbitros têm prioridade para decidir se o conflito é ou não da sua alçada, incluindo a análise sobre a validade da cláusula compromissória.
Implicações práticas
- Para empresas em recuperação judicial, isso sinaliza que contratos com cláusula arbitral não perdem sua eficácia automaticamente com o início do processo judicial.
- Advogados e peritos devem estar atentos à análise contratual: identificar cláusulas compromissórias válidas é essencial para determinar o foro competente antes de judicializar qualquer questão.
- Essa decisão pode frear tentativas de burlar a arbitragem por meio da Justiça comum, protegendo a previsibilidade e segurança jurídica dos contratos empresariais.
O STJ reafirma a importância da arbitragem como um instrumento legítimo e soberano de solução de conflitos, sobretudo quando eleito pelas partes em contrato. A jurisprudência reforça a necessidade de respeitar os limites da atuação do juízo recuperacional, valorizando a cláusula compromissória como um compromisso firme entre as partes — mesmo em tempos de crise empresarial.
Solução consensual
Cláusula compromissória garante competência de juízo arbitral, decide STJ
A existência de cláusula compromissória implica o reconhecimento da competência do juízo arbitral para resolver, com primazia sobre o Judiciário, os conflitos relativos ao contrato.
STJ entende que em contratos com cláusula compromissória o juízo arbitral deve prevalecer sobre a jurisdição estatal
Esse foi o entendimento do ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, para reconhecer a competência da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem de São Paulo para julgar conflitos relativos ao contrato envolvendo uma empresa em recuperação judicial e outra que atua no ramo de exportação e produção de carne bovina.
Inicialmente, o ministro entendeu que o conflito de competência girava em torno de um contrato de DIP Financing, conforme estava descrito na decisão do juízo da 1ª Vara Cível de Carpina (PE). Diante disso, Araújo decidiu pela competência do juízo da recuperação judicial para julgar o contrato.
Inconformada, uma das partes ajuizou agravo interno. A empresa esclareceu que o contrato que provocou o conflito de competência era de industrialização por encomenda, e não de DIP Financing — modalidade de crédito direcionada às empresas em processo de recuperação judicial para que possam obter novos recursos.
E também sustentou que o contrato continha uma cláusula que previa que qualquer conflito deveria ser resolvido em câmara arbitral.
Ao analisar o caso, o ministro deu razão à empresa agravante. “Com efeito, ainda que se trate de contrato firmado com sociedade empresária em recuperação judicial, prevê a resolução de conflitos mediante procedimento arbitral, segundo o princípio da kompetenz-kompetenz, com prioridade sobre o juiz togado, devendo os próprios árbitros decidirem a respeito de sua competência, inclusive, como no caso dos autos, para examinar as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e de outras acerca do contrato contendo cláusula compromissória”, registrou Araújo.
O advogado João Loyo de Meira Lins, do escritório Serur Advogados, que representa a empresa agravante, celebrou a decisão. “O acórdão unânime do STJ reconhece o direito do cliente, salvaguardando a legítima expectativa sobre um contrato que foi firmado com cláusula compromissória de arbitragem, já durante o curso da recuperação judicial da parte adversa. O entendimento da corte limita, ainda, a atuação do juízo recuperacional, que vinha se manifestando em questões que somente competem ao tribunal arbitral eleito pelas partes.”
Clique aqui para ler a decisão – AgInt no CC 203.888
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