Olho Mágico Digital: Condômino, Condomínio e a LGPD

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

O avanço da tecnologia trouxe aos condomínios novas ferramentas de segurança individual, como o olho mágico digital com gravação de imagem e som. Em vez do tradicional visor manual, o morador agora pode instalar um dispositivo capaz de capturar, armazenar e até transmitir o que acontece no lado externo da sua porta.

Mas quando o campo de visão do equipamento abrange áreas comuns do condomínio, surgem questionamentos jurídicos importantes: o uso desse dispositivo é legal? Pode ferir o direito à privacidade dos demais condôminos? Exige consentimento? O condômino responde pela imagem captada?

Neste artigo, analisamos essas questões à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), do Código Civil e da boa convivência condominial.

Olho mágico digital: o que é e como funciona

O olho mágico digital é um equipamento que substitui o olho mágico convencional por uma câmera integrada com visor, podendo gravar e armazenar imagens (e até áudio) do que acontece em frente à porta do apartamento.

Alguns modelos enviam notificações em tempo real para o celular do morador e mantêm gravações em nuvem ou cartão de memória. Isso significa que há tratamento de dados pessoais, quando essas imagens permitem a identificação de pessoas — como entregadores, vizinhos ou visitantes.

Condômino: direito à segurança vs. dever de respeitar a privacidade

O condômino tem direito de proteger a sua residência. Pode, sim, adotar medidas de segurança, inclusive tecnológicas. Porém, esse direito não é absoluto.

Segundo o art. 1.2281 do Código Civil, o exercício da propriedade deve observar sua função social, o que inclui respeitar os direitos dos demais condôminos. A gravação de áreas comuns, como corredores, halls ou elevadores, extrapola a esfera da unidade privativa e alcança a coletividade.

Por isso, instalar um olho mágico digital com gravação contínua e amplo campo de visão pode caracterizar invasão de privacidade se não houver regulamentação ou autorização condominial.

Condomínio: papel fiscalizador e normativo

O condomínio, por meio da assembleia e da convenção, pode estabelecer regras sobre o uso de equipamentos de vigilância particulares voltados às áreas comuns, inclusive proibindo ou limitando esse uso, com base no princípio da convivência harmoniosa.

Cabe ao síndico, nos termos do art. 1.348, II e V2, do Código Civil, zelar pelo respeito às normas internas e pela proteção dos direitos dos moradores, podendo solicitar a retirada do dispositivo ou a adaptação de sua configuração, caso esteja violando o direito à privacidade.

LGPD: quando a imagem é dado pessoal

A Lei nº 13.709/20183 (LGPD) define imagem como dado pessoal, sempre que permitir a identificação direta ou indireta de uma pessoa. Assim, a gravação realizada por um olho mágico digital configura tratamento de dados pessoais, submetendo-se às obrigações legais, tais como:

  • Finalidade específica: o uso deve estar limitado à segurança do morador, sem desvio de finalidade (como exposição ou compartilhamento indevido);
  • Base legal adequada: o mais comum é o legítimo interesse, mas o condômino precisa demonstrar que o tratamento não fere direitos fundamentais dos demais;
  • Transparência: é recomendável informar ao condomínio sobre a instalação, detalhar o campo de gravação e o uso das imagens;
  • Segurança da informação: o morador deve garantir a proteção dos dados captados, evitando vazamentos ou acessos não autorizados;
  • Responsabilidade individual: o condômino é o controlador dos dados que coleta. Logo, poderá responder civil e administrativamente por eventuais abusos.

Importante: Se o condômino grava e compartilha imagens em redes sociais ou grupos de mensagens sem autorização, poderá ser responsabilizado por danos morais ou violação de dados pessoais, conforme o caso.

Boas práticas para evitar conflitos

Se o condômino deseja instalar um olho mágico digital, recomenda-se:

Informar previamente o síndico ou a administração;
Limitar o campo de visão apenas à frente da porta, sem atingir vizinhos ou áreas comuns amplas;
Evitar gravação contínua, preferindo registro apenas sob demanda ou com sensor de movimento;
Não armazenar imagens por longos períodos, nem divulgá-las sem justificativa legal;
Atender aos princípios da LGPD, inclusive com registro mínimo de tratamento.

Conflitos e responsabilização

A instalação ou uso indevido do olho mágico digital pode resultar em:

  • Notificação condominial para retirada ou reconfiguração;
  • Aplicação de multa prevista em convenção ou regimento interno;
  • Ação judicial por violação de privacidade;
  • Responsabilização por tratamento indevido de dados;
  • Denúncia à ANPD, se configurada infração à LGPD.

O olho mágico digital é um avanço tecnológico legítimo, desde que usado com responsabilidade e equilíbrio. O morador tem direito à segurança, mas deve respeitar o direito à privacidade dos demais e as regras do condomínio. A LGPD traz parâmetros claros para o uso de dados pessoais, inclusive em contextos residenciais. É papel de cada condômino conhecer seus limites e deveres, garantindo que a proteção individual não se transforme em invasão coletiva.

  1. art. 1.228 do Código Civilhttps://www.jusbrasil.com.br/topicos/10653373/artigo-1228-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 ↩︎
  2. art. 1.348, II e V, do Código Civilhttps://www.jusbrasil.com.br/topicos/10644158/inciso-v-do-artigo-1348-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 ↩︎
  3. Lei nº 13.709/2018 (LGPD)https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm ↩︎