Condomínio é condenado por espionagem interna e violação de privacidade de funcionário

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A decisão recente da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF)1, no processo nº 0000841-75.2025.5.10.0014, traz à tona um tema sensível e cada vez mais recorrente nas relações de trabalho contemporâneas: a fronteira entre o poder fiscalizatório do empregador e o direito fundamental à privacidade do trabalhador.

O caso envolve um vigia que atuava em um condomínio residencial em Brasília, cujo ambiente de descanso foi monitorado por câmeras com captação de áudio, sem prévia ciência dos empregados. A instalação, segundo o trabalhador, possibilitou a gravação de conversas privadas e culminou em represálias e demissões de colegas com base nas escutas captadas.

A rescisão indireta e a violação da intimidade

O empregado buscou na Justiça do Trabalho o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, instituto previsto no artigo 483 da CLT, que permite ao trabalhador encerrar o vínculo quando o empregador comete falta grave — entre elas, condutas que atentem contra a dignidade, a honra ou a segurança do empregado.

A 3ª Turma do TRT-10 acolheu o pleito, reconhecendo que a instalação de equipamento de áudio em alojamento extrapola os limites da supervisão legítima. O relator, desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, ressaltou que o monitoramento com escuta ambiental constitui violação direta à intimidade e à privacidade, valores protegidos constitucionalmente (artigos 1º, III, e 5º, X, da Constituição Federal).

Nas palavras do magistrado, “o monitoramento imposto pela ré foi abusivo, porque violou a intimidade e a privacidade dos trabalhadores. A gravação de áudio sem consentimento em um local de convivência revela-se um monitoramento excessivo e impõe constrangimento, que implica assédio moral”.

Diante da comprovação da falta grave, o colegiado reconheceu a rescisão indireta, condenando o condomínio ao pagamento de verbas rescisórias integrais, FGTS com multa de 40%, aviso prévio, férias e 13º proporcionais, além de indenização por dano moral fixada em R$ 5 mil.

Limites do poder fiscalizatório e o uso de tecnologias

O caso serve como importante precedente sobre os limites éticos e jurídicos da vigilância laboral, sobretudo em tempos em que o uso de tecnologias de monitoramento câmeras, gravações, softwares de rastreamento — se tornou prática comum em ambientes corporativos.

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) reforça a necessidade de transparência e finalidade legítima no tratamento de dados pessoais, inclusive de áudio e vídeo. A ausência de informação prévia e de consentimento dos trabalhadores torna o ato da empregadora uma violação direta ao princípio da boa-fé e à autodeterminação informativa.

A jurisprudência trabalhista já vem consolidando o entendimento de que a fiscalização deve restringir-se aos limites da necessidade e proporcionalidade, sendo admissível o uso de câmeras em áreas comuns, desde que não configure invasão da intimidade como em vestiários, banheiros, alojamentos ou refeitórios.

No caso em análise, o ambiente de descanso foi justamente o espaço em que a expectativa de privacidade é mais evidente, tornando a conduta do empregador flagrantemente abusiva.

O impacto do caso e as lições para empregadores e gestores

Do ponto de vista jurídico e pericial, a decisão evidencia a importância de políticas internas de compliance, proteção de dados e governança trabalhista. O empregador deve adotar medidas de controle que respeitem a dignidade humana e as garantias constitucionais, sob pena de ver reconhecida a prática de assédio moral organizacional.

Além disso, o caso ilustra o papel da prova técnica em situações envolvendo captação indevida de áudio e vídeo. Em eventual perícia digital, é possível rastrear a existência de gravações ambientais, metadados de configuração e registros de armazenamento elementos que se tornam decisivos para comprovar a violação da intimidade.

A decisão do TRT-10 reafirma um princípio basilar do Direito do Trabalho: o poder de direção do empregador não é ilimitado. Quando o controle se converte em vigilância abusiva, a relação laboral perde seu equilíbrio e fere a dignidade do trabalhador.

O caso do vigia “vigiado” é emblemático: revela que o direito à privacidade é um dos pilares da relação de emprego moderna e que sua violação, especialmente por meio de tecnologia invasiva, não apenas configura falta grave, mas compromete o próprio contrato social do trabalho.

A tecnologia pode e deve servir à segurança e à eficiência, mas jamais à custa da liberdade e da dignidade humana.

  1. Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-nov-11/condominio-e-condenado-por-violar-privacidade-de-vigia-com-escuta ↩︎