Direitos autorais: o STJ traça os limites do uso de conteúdo na internet

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A transformação digital ampliou horizontes, aproximou pessoas e democratizou o acesso ao conhecimento. Por outro lado, também trouxe dilemas inéditos sobre como proteger criações intelectuais em um ambiente marcado pela velocidade e pela circulação massiva de conteúdos. Nesse cenário, o direito autoral1 historicamente associado ao mundo físico passou a lidar com questões muito mais complexas, envolvendo plataformas digitais, streaming, algoritmos e novos modelos de negócio.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado papel essencial na atualização desse debate, construindo precedentes que buscam um ponto de equilíbrio: garantir o acesso à informação, sem esvaziar a proteção jurídica que assegura a valorização do trabalho intelectual.

Notificação ao provedor basta para retirada imediata de conteúdo não autorizado

No julgamento do REsp 2.057.908, a Terceira Turma fixou um entendimento importante para o ambiente digital: a venda ou exposição de obra protegida sem autorização é ato ilícito, e sua remoção deve ser imediata dispensando ordem judicial específica.

No caso, a plataforma Mercado Livre manteve anúncios de venda de conteúdo digital mesmo após ser notificada pelo titular da obra. Para o STJ, essa inércia gera responsabilidade solidária pelos danos, com base nos arts. 102 e 104 da LDA.

A ministra Nancy Andrighi destacou que:

  • a notificação do titular é suficiente para que surja o dever de retirada;
  • a plataforma não pode alegar neutralidade, pois intermedia transações de natureza comercial;
  • não há violação da liberdade de expressão ao remover anúncio irregular.

Esse entendimento reforça a necessidade de mecanismos eficazes de compliance em ambientes digitais.

Streaming é execução pública: plataformas devem pagar direitos ao Ecad

Outro marco relevante surgiu com o REsp 1.559.264, no qual o STJ reconheceu que o streaming musical configura execução pública, gerando a cobrança de direitos autorais pelo Ecad.

Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, as plataformas disponibilizam músicas a uma coletividade virtual, o que, por si só, caracteriza execução pública. Assim:

  • pouco importa se cada usuário ouve individualmente;
  • o relevante é o acesso simultâneo e irrestrito ao catálogo digital;
  • a cobrança remunera adequadamente os autores em um mercado em expansão.

Esse entendimento fortalece a sustentabilidade da indústria musical num cenário em que a distribuição digital superou a física.

Limites da cessão de direitos autorais não se aplicam a contratos antigos

No REsp 2.029.976, o STJ se debruçou sobre um tema sensível: a exploração digital de obras cujos contratos foram celebrados décadas antes da internet.

A ministra Nancy Andrighi explicou que:

  • o art. 49, V, da LDA — que limita a cessão às modalidades existentes à época do contrato — não retroage;
  • contratos celebrados antes da LDA, como os assinados por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, seguem válidos em sua integralidade;
  • se houve cessão plena, a exploração em streaming permanece lícita.

Esse precedente reforça a segurança jurídica e o respeito aos acordos pactuados, embora o tema esteja sob repercussão geral no STF (Tema 1.403).

Formatos gráficos de buscas na internet não configuram obra autoral

No REsp 1.561.033, a Quarta Turma analisou a suposta reprodução de um formato gráfico utilizado em buscas na internet.

O ministro Raul Araújo esclareceu que:

  • ideias, métodos e modelos funcionais não são protegidos pela LDA;
  • determinados projetos — sobretudo de caráter utilitário — se enquadram em desenho industrial, cuja proteção depende de registro no INPI;
  • o arranjo visual circular usado pela Google não configurou plágio.

O precedente reafirma a distinção entre criação artística e solução técnica, essencial em tempos de interfaces digitais complexas.

Serviço de clipping jornalístico sem autorização viola direitos autorais

No REsp 2.008.122, a Terceira Turma consolidou um entendimento robusto sobre o uso de conteúdo jornalístico. O STJ afirmou que:

  • matérias e colunas são obras protegidas;
  • o clipping comercializado sem autorização viola os direitos patrimoniais do autor;
  • o “teste dos três passos” não se aplica, pois o serviço impacta diretamente a exploração comercial da obra.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, clientes que recebem o clipping deixam de adquirir o jornal, gerando prejuízo ao titular.

Foto encontrada na internet continua protegida por direitos autorais

No REsp 1.822.619, o STJ reforçou algo essencial, mas frequentemente ignorado:

Estar disponível na internet não significa estar em domínio público.

A Terceira Turma reconheceu o direito moral e patrimonial de um fotógrafo que teve sua imagem usada sem crédito. Mesmo que a foto estivesse facilmente acessível por busca on-line, isso não elimina a obrigação de atribuir autoria nem autoriza seu uso livre.

Os precedentes do STJ mostram a tentativa contínua de adaptar a legislação autoral ao cenário digital dinâmico, descentralizado e em constante evolução. Ao mesmo tempo em que reconhece novas formas de circulação de conteúdo, a Corte reafirma:

  • a importância da remuneração justa dos criadores;
  • a necessidade de responsabilidade das plataformas;
  • a proteção contínua da autoria, inclusive na esfera moral.

O desafio permanece: promover inovação e acesso à informação sem fragilizar os pilares que sustentam a criatividade, a cultura e a produção intelectual.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

  1. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/09112025-O-STJ-em-busca-do-equilibrio-entre-acesso-a-informacao-e-respeito-aos-direitos-autorais-no-mundo-digital.aspx?utm_source=brevo&utm_campaign=Edio%20de%2010112025&utm_medium=email ↩︎