Justiça Restaurativa no Tribunal do Júri: Um Marco Inédito e Transformador

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

Justiça Restaurativa no Tribunal do Júri: quando o diálogo reconstrói o que o crime rompeu

Um caso recente julgado pelo Tribunal do Júri de Belo Horizonte (MG) chamou a atenção não apenas pelo desfecho, mas, principalmente, pelo método empregado para solucioná-lo. Uma mulher acusada de tentativa de homicídio contra o próprio companheiro foi absolvida após Ministério Público, defesa e juízo concordarem que o caso deveria ser conduzido pela via da Justiça Restaurativa — uma alternativa ainda pouco explorada em crimes dolosos contra a vida.

O caso concreto

O processo envolvia um episódio de violência durante uma briga conjugal, no qual a vítima chegou a ser internada. Após o fato, porém, o casal decidiu reatar o relacionamento e reconstruir sua vida em comum, chegando inclusive a constituir família.

Durante a instrução, a vítima manifestou de forma clara que não desejava a condenação da acusada. Diante dessa peculiaridade, o promotor de Justiça Luciano Santiago propôs um caminho diferente: submeter o caso a procedimentos restaurativos. A defesa técnica e o juízo acompanharam a proposta, que foi levada ao plenário do júri e acolhida pelos jurados.

Como resultado, a ré foi absolvida, não pela negação do fato, mas pela compreensão de que a resposta estatal adequada não seria a punição tradicional, e sim um método capaz de reconstruir vínculos, promover responsabilização ativa e atender às necessidades de todos os envolvidos.

Afinal, o que é Justiça Restaurativa?

A Justiça Restaurativa é um modelo consensual de resolução de conflitos que desloca o foco da sanção e da violação da norma para o cuidado com as pessoas afetadas, a reparação dos danos e a restauração das relações sociais.

Ela não ignora o crime — pelo contrário, requer que o autor reconheça o erro e participe voluntariamente da construção de uma solução responsável, dialogada e reparadora.

Seu fundamento jurídico no Brasil está balizado pela Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que define princípios, diretrizes e objetivos dessa prática no âmbito do Poder Judiciário.

Como funciona na prática?

Podemos visualizar a Justiça Restaurativa como um círculo de diálogo, no qual três pilares se encontram:

  • Ofensor: Reconhece os impactos do ato, aceita responder pelos efeitos e participa da construção das reparações.
  • Vítima: Tem espaço para expressar suas necessidades, emoções e expectativas — algo raramente possível no processo penal tradicional.
  • Comunidade: Pode apoiar, acolher, propor e reafirmar valores coletivos.

Essa dinâmica rompe com a lógica verticalizada da justiça retributiva, baseada na ideia de “crime–pena”, e abre espaço para soluções mais humanas, eficazes e duradouras.

Por que esse caso é tão relevante?

A aplicação da Justiça Restaurativa em crimes dolosos contra a vida ainda é rara, principalmente porque o Tribunal do Júri tradicionalmente opera dentro da matriz punitivista clássica. No entanto, casos como este demonstram que:

  • Há situações em que o encarceramento não atende às necessidades das partes.
  • A vítima pode desejar reconstrução e não punição.
  • O Ministério Público pode atuar de forma inovadora e sensível ao contexto humano do caso.
  • O júri pode acolher soluções alternativas quando bem fundamentadas.

Esse julgamento evidencia que o sistema de justiça, quando sensível às particularidades do conflito, pode adotar caminhos mais efetivos para promover paz social — especialmente em situações onde as relações foram reconstruídas e a punição deixaria mais danos do que benefícios.

A Justiça Restaurativa não vem substituir o processo penal tradicional, mas complementá-lo. Ela oferece um olhar mais amplo, capaz de enxergar o ser humano por trás do fato e de compreender que nem toda solução jurídica precisa terminar em condenação.

Quando o diálogo responsável, voluntário e qualificado — como orienta a Resolução 225/2016 do CNJ1 — consegue reconstruir o que foi quebrado, o sistema de justiça cumpre sua função mais nobre: promover paz, não apenas punir.

A aplicação da Justiça Restaurativa em um julgamento de tentativa de homicídio, resultando na absolvição da ré, representa um marco histórico no sistema penal brasileiro. Este caso rompe paradigmas e expande a presença de práticas restaurativas dentro de um dos espaços mais tradicionais e ritualísticos do Direito Penal: o Tribunal do Júri. A decisão, inédita, demonstra que os jurados estão abertos a soluções mais humanas e eficazes na resolução de conflitos graves, desde que estas estejam alinhadas ao arcabouço normativo nacional.

O Caso Inédito

Em um julgamento de grande sensibilidade, uma mulher acusada de tentativa de homicídio contra seu companheiro foi absolvida após os jurados concordarem com a adoção da Justiça Restaurativa. A decisão levou em consideração não apenas o fato em si, mas também o contexto relacional, emocional e social que permeava o conflito.

Uma Nova Perspectiva Para o Direito Penal

O caso evidencia que o Tribunal do Júri pode se tornar um espaço não apenas de julgamento, mas também de reconstrução social — desde que se observe o marco normativo adequado. A Resolução 225/2016 legitima e orienta esse caminho, permitindo que a Justiça Restaurativa seja utilizada de forma ética, estruturada e eficaz. A experiência revela que é possível — e desejável — construir modelos de justiça que combinem técnica jurídica, participação social e humanidade. E, acima de tudo, mostra que a sociedade está aberta a novas formas de resolver conflitos complexos, quando estas oferecem resultados mais transformadores e duradouros do que a punição isolada.

  1. Resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_225_31052016_02062016161414.pdf ↩︎