Arbitragem e Mediação: O Poder das Evidências Digitais na Resolução de Conflitos

Por Silvana de Oliveira

Evidências Digitais e os Processos de Mediação e Arbitragem

No cenário contemporâneo, marcado pela crescente digitalização das interações e transações, as evidências digitais têm se tornado cada vez mais centrais nos processos de resolução de conflitos. Este cenário se reflete tanto na mediação quanto na arbitragem, duas formas alternativas de solução de disputas (ADR – Alternative Dispute Resolution) que buscam soluções ágeis e menos onerosas em comparação aos tribunais tradicionais. Neste contexto, as evidências digitais, como e-mails, registros de transações eletrônicas, metadados e até informações provenientes de redes sociais, desempenham um papel crucial na comprovação de fatos.

O que são Evidências Digitais?

Evidências digitais podem ser definidas como qualquer informação ou dado armazenado ou transmitido eletronicamente, passível de ser utilizado como prova em um processo judicial, arbitral ou de mediação. Elas incluem, mas não se limitam a:

  • E-mails e mensagens eletrônicas;
  • Documentos eletrônicos;
  • Registros de acesso e atividades em sistemas digitais;
  • Metadados que confirmam a autenticidade, data e local de criação de um arquivo;
  • Imagens, vídeos e áudios obtidos por dispositivos digitais;
  • Transações em blockchain, que oferecem rastreabilidade e imutabilidade.

Com o avanço das tecnologias de comunicação e armazenamento, essas evidências se tornam cada vez mais comuns e relevantes, especialmente em disputas empresariais, trabalhistas, comerciais e até em questões familiares.

A Importância das Evidências Digitais na Mediação

A mediação é um processo colaborativo e voluntário no qual um mediador facilita a comunicação entre as partes para que cheguem a um acordo mutuamente aceitável. Embora, em geral, as partes busquem evitar conflitos jurídicos profundos, evidências digitais podem ser essenciais para estabelecer a verdade dos fatos e criar uma base sólida para negociações justas.

Por exemplo, em uma mediação relacionada a um contrato comercial, as partes podem apresentar e-mails e mensagens trocadas durante as negociações como forma de esclarecer o que foi acordado inicialmente. Em disputas empresariais ou trabalhistas, as evidências de trocas de informações digitais entre funcionários e gestores podem servir de base para decisões e acordos que atendam os interesses de ambos os lados.

A confiança na integridade dessas provas digitais é fundamental. Ferramentas como a criptografia e a autenticação de documentos por meio de tecnologia Blockchain têm desempenhado um papel importante ao garantir que os dados apresentados em mediação sejam legítimos e não tenham sido adulterados.

O Papel das Evidências Digitais na Arbitragem

Ao contrário da mediação, a arbitragem é um processo mais formal, onde um árbitro ou um painel de árbitros toma uma decisão vinculativa baseada nas evidências apresentadas pelas partes. Neste sentido, as evidências digitais ganham um peso ainda maior, comparável ao das provas em um tribunal tradicional.

A utilização de evidências digitais em arbitragem pode abranger desde questões trabalhistas e comerciais até disputas envolvendo tecnologia da informação, propriedade intelectual e contratos digitais. Em contratos comerciais, por exemplo, as partes podem incluir cláusulas específicas de resolução de disputas por arbitragem, prevendo também a aceitação de evidências digitais.

A validade e admissibilidade de tais evidências, no entanto, depende de vários fatores:

  • Autenticidade: As provas devem ser autênticas, o que pode ser garantido por certificações digitais, carimbos de data/hora ou por Blockchain.
  • Integridade: É necessário demonstrar que as provas não foram alteradas.
  • Cadeia de Custódia: A documentação sobre como a prova digital foi coletada e preservada deve ser mantida para garantir sua integridade.
  • Relevância: As evidências digitais devem estar diretamente relacionadas ao caso em questão.

Dada a complexidade e o volume de dados digitais disponíveis atualmente, os árbitros podem precisar de suporte técnico especializado para interpretar adequadamente essas provas. Peritos em informática forense são frequentemente convocados para verificar a veracidade de e-mails, metadados, documentos digitais e outros tipos de evidências eletrônicas.

Blockchain e a Revolução das Provas Digitais

Uma das inovações tecnológicas que mais promete transformar a gestão de evidências digitais em processos de ADR é o Blockchain. Ao garantir a imutabilidade e rastreabilidade dos dados, essa tecnologia oferece um meio seguro de coletar, armazenar e apresentar evidências digitais.

Por exemplo, contratos inteligentes (smart contracts) operam de forma autônoma quando certas condições são atendidas, e todos os registros relacionados a essas operações são automaticamente registrados na Blockchain, formando um rastro imutável e transparente. Isso elimina a necessidade de provas adicionais de que um contrato foi ou não cumprido, já que todas as informações estão protegidas e disponíveis para auditoria.

Além disso, ao utilizar plataformas de resolução de disputas online (ODR – Online Dispute Resolution), o uso de Blockchain pode facilitar o processo de gerenciamento de provas, garantindo maior segurança e transparência, além de reduzir o tempo e os custos envolvidos na resolução de conflitos.

Desafios e Considerações Futuras

Apesar das vantagens das evidências digitais, existem desafios. A coleta inadequada de provas, a manipulação de dados e as questões relacionadas à privacidade e proteção de dados são alguns dos riscos associados ao uso dessas tecnologias. Com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na Europa, é fundamental garantir que o uso de evidências digitais respeite as normas de privacidade e segurança.

A adoção de padrões mais rigorosos na coleta e preservação de evidências digitais, bem como o desenvolvimento de soluções inovadoras como o uso de inteligência artificial na triagem de provas, serão essenciais para o futuro das resoluções de conflitos digitais.

As evidências digitais estão revolucionando os processos de mediação e arbitragem, oferecendo maior eficiência, transparência e confiabilidade. Ao mesmo tempo, a complexidade e os desafios técnicos relacionados ao seu uso exigem uma preparação e uma especialização cada vez maiores dos profissionais envolvidos. Ferramentas como Blockchain e inteligência artificial têm o potencial de não apenas validar, mas também transformar a maneira como as evidências digitais são tratadas, promovendo um ambiente de resolução de conflitos mais justo e moderno.

Com o crescimento da digitalização e da importância das ADR, o papel das evidências digitais continuará a expandir, exigindo adaptações por parte de mediadores, árbitros e advogados em um futuro onde o virtual e o jurídico estarão cada vez mais interligados.

Para tratar do uso de evidências digitais em processos de mediação e arbitragem, é necessário considerar o embasamento jurídico aplicável em relação à coleta, validação, admissibilidade e uso dessas provas. Este embasamento encontra-se em legislações nacionais e internacionais, além de regulamentações específicas que tratam da proteção de dados, provas eletrônicas e resolução alternativa de disputas (ADR). A seguir, são apresentados os principais fundamentos jurídicos no contexto brasileiro e internacional:

1. Código de Processo Civil Brasileiro (CPC)

Embora o CPC (Lei nº 13.105/2015) seja tradicionalmente aplicado no âmbito judicial, vários princípios e normas são adaptáveis aos processos de arbitragem e mediação. Destacam-se dois artigos importantes:

  • Art. 369: Estabelece que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. As provas digitais, embora não mencionadas explicitamente, são contempladas por essa previsão, uma vez que são moralmente legítimas e cada vez mais utilizadas no cotidiano.
  • Art. 422: Este artigo trata da convenção de arbitragem e reforça a liberdade das partes para definir o procedimento de apresentação de provas, o que inclui a aceitação de evidências digitais. Ele permite que o árbitro receba e avalie qualquer tipo de prova que considere relevante, desde que respeite o devido processo legal.

2. Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996 e 13.129/2015)

A Lei de Arbitragem estabelece o marco legal para a solução de disputas por meio desse método alternativo. Dois dispositivos são especialmente relevantes para o uso de evidências digitais:

  • Art. 21, §2º: Este artigo confere autonomia às partes para definir as regras do procedimento arbitral, incluindo a produção de provas. Assim, as partes podem acordar em utilizar provas digitais ou outros meios tecnológicos para embasar suas alegações.
  • Art. 22, §2º: Permite que o árbitro determine a produção de provas necessárias, podendo solicitar, inclusive, perícias técnicas sobre evidências digitais. Esse artigo confirma que a arbitragem tem flexibilidade para adotar tecnologias e peritos na avaliação de provas eletrônicas.

3. Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015)

A Lei de Mediação regulamenta a mediação extrajudicial e judicial no Brasil e também permite o uso de tecnologia em diversas fases do processo:

  • Art. 46: Dispõe que “os meios eletrônicos são admitidos para a realização de mediação”. Esse artigo confirma a possibilidade de utilizar plataformas online de mediação, o que implica diretamente na apresentação de evidências digitais dentro desse contexto.

4. Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)

O Marco Civil da Internet regula o uso da internet no Brasil e trata, entre outros temas, da preservação de registros e dados eletrônicos, que são fundamentais para a construção de provas digitais:

  • Art. 10: Obriga os provedores de internet a manter os registros de conexão e de acesso a aplicações, garantindo a existência de um rastro digital que pode ser utilizado como evidência em disputas judiciais, arbitrais ou de mediação.
  • Art. 11: Estabelece que dados coletados no Brasil devem ser protegidos, e os princípios de proteção de dados pessoais precisam ser respeitados, o que é crucial na apresentação de provas digitais em conformidade com a legislação.

5. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709/2018

A LGPD estabelece diretrizes sobre o tratamento de dados pessoais, sendo uma legislação que precisa ser considerada ao coletar e utilizar evidências digitais, especialmente quando essas contêm informações pessoais. Dentre seus artigos, destaca-se:

  • Art. 7º, inciso VI: Permite o tratamento de dados pessoais para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral. Isso implica que evidências digitais contendo dados pessoais podem ser utilizadas em processos arbitrais, desde que respeitadas as disposições da LGPD.
  • Art. 15: Estipula que os dados pessoais não podem ser mantidos por mais tempo do que o necessário, mas permite a guarda de dados para a defesa em processos judiciais, o que inclui a manutenção de evidências digitais até o encerramento de uma disputa.

6. Provas Eletrônicas e a Cadeia de Custódia

Um ponto essencial para o uso de evidências digitais é a cadeia de custódia, que garante a integridade e autenticidade das provas ao longo do tempo. No Brasil, o conceito de cadeia de custódia foi incluído no Código de Processo Penal (CPP) por meio da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que, embora seja mais aplicável ao âmbito criminal, serve como referência para arbitragens complexas que envolvem provas digitais:

  • Art. 158-A e 158-B do CPP: Regulam a preservação da integridade das provas desde a sua coleta até a apresentação nos tribunais. Esses princípios podem ser aplicados, por analogia, na mediação e arbitragem quando houver a necessidade de comprovar a autenticidade de uma prova digital.

7. Normas Internacionais – UNCITRAL

A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) oferece regras modelo e guias que influenciam a prática da arbitragem internacional e o uso de provas eletrônicas:

  • Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL (1985, alterada em 2006): Influencia diretamente a arbitragem no Brasil e em diversos países, promovendo a aceitação de meios tecnológicos, como provas digitais, no procedimento arbitral.
  • Lei Modelo da UNCITRAL sobre Documentos Eletrônicos (1996): Reconhece a validade jurídica de documentos eletrônicos em transações comerciais internacionais, o que se reflete na aceitação de evidências digitais em arbitragens comerciais.

8. Regras de Prova do IBA (International Bar Association)

As Regras de Prova da IBA são amplamente adotadas em arbitragens internacionais e oferecem um guia prático sobre a produção e admissibilidade de provas, inclusive digitais. As regras estipulam que as partes devem fornecer documentos relevantes e confiáveis, permitindo o uso de tecnologias digitais para fornecer evidências, desde que sejam autênticas e íntegros.

O uso de evidências digitais nos processos de mediação e arbitragem é amplo e adaptável às inovações tecnológicas. No Brasil, tanto o CPC, a Lei de Arbitragem, a Lei de Mediação e o Marco Civil da Internet oferecem um arcabouço legal que permite e incentiva o uso de provas digitais, desde que sejam respeitados os princípios de autenticidade, integridade e respeito à privacidade, especialmente com a LGPD. Em nível internacional, as diretrizes da UNCITRAL e da IBA reforçam a aceitação de documentos eletrônicos e evidências digitais em contextos globais.